Em uma década passada, em um belo dia de céu azul e nuvens brancas de formas engraçadas a refletir tortuosamente o mundo, há uma criança na janela de uma casa. Uma janela comum, uma casa comum, uma rua comum. Nada em especial, exceto pelo olhar sonhador da criança na janela. Uma garota, cabelos claros e revoltos, indecisos entre cachos e fios lisos. Quatro anos de idade recém-completos e toda uma vida de escolhas diante de si.

Mas o que uma criança observa na janela em um dia tão belo para subir em árvores ou inventar um novo esporte? A resposta não poderia ser mais simples: observa outras crianças. Rostos jovens a interromper a quietude da rua com suas conversas e risadas, apenas o fim de outro dia de aulas.

A escola! É a escola que a garota observa através de cada uniforme, de cada mochila, de cada sorriso. E a menina sorri encantada. E olha para a mãe não muito distante com uma pergunta simples demais para uma criança:

- Mãe, quando vou para a escola?

O dia chegou, a eternidade de espera passou e foi a escola, despreocupada, apaixonada pela vida. Assustando a própria mãe em sua ausência de medo. Não chorou, não quis voltar, não receou. Correu na direção da professora sem temer a ausência materna. E descobriu ali, naquela mulher sorridente e atenciosa, outra mãe. Não compreendia os colegas que hesitavam em deixar o colo dos pais para adentrar aquele mundo voltado para as crianças.

Com o tempo aprendeu: mudavam os colegas, os professores e até mesmo as escolas. Mas sempre ficariam lembranças guardadas com um carinho especial.

A garota cresceu, como é natural da infância, seus cabelos lentamente abandonaram os cachos e os dias nublados hoje lhe parecem mais agradáveis do que dias ensolarados. Contudo, a escola continua sendo um sonho agradável para se pensar em um fim de tarde com certo romantismo.

É claro, não se recorda de cada dia que passou, não se recorda de cada nome que conheceu, tampouco suas faces gravou. Mas é um pouco de cada pessoa que encontrou no caminho que percorreu. Lembra-se ainda de algum dia perdido no tempo do jardim de infância, quando a professora (a quem chamavam “tia”) explicava para a turma quando usar ‘m’ e ‘n’ nas palavras. Assim como recorda do colega que corria ao colo da mesma professora nos dias de tempestade.

Recorda-se dos amores e de momentos que gostaria de esquecer. As broncas de uma professora na terceira série e a preguiça de calcular tantos números tediosos enquanto poderia viajar pelos primeiros livros em que as figuras já não importavam tanto. Tem na memória o conteúdo de um livro de ciências da quinta série, e ainda guarda para si a sensação da descoberta ao ler cada capítulo que ousou adiantar, ansiosa demais para esperar que as aulas viessem.

Alguns nomes ficaram, como o da professora que tinha o mesmo nome de uma música que fazia sucesso naquele ano. Assim como não poderia esquecer-se do professor que amava o número 15 e que não falava somente em matemática, mas insistia em boas maneiras e trazia consigo sempre um sorriso contagiante. Outras faces marcaram pelo tempo, como a professora de artes que a acompanhou por quase toda uma vida escolar, e a professora de espanhol, que com o passar de cinco anos ainda trocava o nome dos alunos.

Vieram aqueles que ficaram pouco tempo e gravaram um pedaço de si no coração (ou na mente) da menina que aos 13 anos apenas tinha certeza de seu amor pelas palavras. O professor de geografia, cujas aulas insistem em ecoar na mente sempre quando seu conteúdo por algum motivo é relembrado. Memórias que vêm acompanhadas de um sorriso nostálgico que sente falta até mesmo de broncas que assustavam mesmo as mais desorganizadas turmas.

Descobriu amizades passageiras e outras que seriam eternas ainda que os caminhos da vida as separassem (afinal, amizades que se formam pela opinião comum em discordar de todos não podem ser tão simples). E também entre seus mestres encontrou tal sentimento de amizade. As professoras de português, sempre tão gentis, interessavam-se ao saber dos sonhos da menina e de sua paixão pelos livros. E plantaram na memória aqueles complexos trabalhos em equipe que a principio pareciam tediosos e acabaram por tornar-se apenas outra desculpa para ser feliz.

Entre uma aula e outra encontrava o universo paralelo dos livros a ignorar as leis da física (a qual ainda não decidiu amar ou odiar). Ali onde também havia aulas, mas seu material exigia caldeirões de estanho e um livro monstruoso para que fizesse poções imaginárias e cuidasse de criaturas mágicas. Mas eles estavam sempre presentes, os mestres que poderiam ser amigos a ensinar sobre a vida ou fingir-se de carrascos apenas para esconder o amor pelo que faziam.

Quando se cansava das regras da gramática e das leis da ciência encontrava a alegria de mergulhar na história. Submergia nas aulas (ainda que, por vezes, tediosas a outros olhos) com um sorriso espontâneo, como se realmente visse o império romano ruir diante do teatro improvisado moldado no cenário das salas de aulas. E sabia que a qualquer momento a história poderia transformar-se em literatura.

E claro, jamais poderia esquecer-se das aulas de biologia que a fizeram encontrar uma das respostas para aquela velha pergunta da infância: “O que você vai ser quando crescer?" A resposta estava ali, entre aquelas aulas da genética que a encantava e os acirrados debates sobre o surgimento da vida. E contava os dias para que chegasse a próxima aula, para encontrar alguma surpresa que os livros não pudessem contar, achando que tudo ainda era pouco.

Uma das respostas, pois não se contentava com apenas uma. Já conhecia a outra desde um tempo em que as memórias confundiam-se em sonhos, mas a reencontraria nas aulas de literatura com o passar de cada ano. Na epifania de um professor apaixonado por Clarice Lispector, nas aulas daquele que lhe explicou que a arte nem sempre é bela, às vezes é apenas chocante, ou no discurso quase poético de certo mestre encantado pela poesia de Pessoa e Drummond.

E sabia, não poderia ter apenas uma resposta enquanto não provasse de ambas. A contragosto, o fim da jornada a alcançava. Não antes que um professor rigoroso lhe ensinasse que é possível obter uma nota máxima mesmo em matemática, e que um professor amigo (ou seria amigo professor?) a ensinasse a gostar da química que por dois anos tão intensamente odiara.

Continuou sonhando, continuou estudando e buscando o caminho certo. Redescobriu a língua inglesa que um dia ousara dizer odiar. Através de olhos quase tão jovens quanto os seus viu um pequeno pedaço das belezas do mundo que sonhava encontrar. Aprendeu que a maneira de ver o mundo não depende apenas do olhar, mas também da língua através da qual poderia se pronunciar.

Em seus dezoito anos vira tanto, mas tudo o que vira era quase nada. E lhe disseram: “Se escolher essa profissão acabará sendo professora.” Como uma praga ameaçavam. Mas a garota que um dia sonhara em ir para a escola sorria despreocupada, afinal ensinar também é arte!


Obs. Inspirado em acontecimentos e pessoas reais, por mais distantes que os fatos estejam na memória da autora. A imagem, contudo, foi retirada do site Deviantart e é nada menos que a representação de um professor que marcou e continua marcando muitas infâncias e adolescências em todo o mundo.

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2 Responses so far.

  1. O que mais admirei foi a informação entre parenteses sair tão natural.... Quando escrevo sempre fica meio forçado, avulso ao texto.

  2. Unknown says:

    Voltando para reler os parenteses. haha, legal quando comentam detalhes que nem eu tinha notado.

    Obrigada. =)

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